Associação Brasileira de Tecnologia
para Construção e Mineração

Publicado em 07 de junho de 2013

Valor Econômico - Hiperatividade regulatória

Hiperatividade regulatória
 
Por Armando Castelar Pinheiro
 
Quem pensa em retorno financeiro - e tem estômago para risco - deve pensar no setor de infraestrutura. A OCDE estima que o mundo precise investir um trilhão de dólares ao ano em infraestrutura e está atrás de quem queira financiá-los. Apenas para os EUA, são precisos US$ 375 bilhões ao ano para ampliar e melhorar a infraestrutura.
 
Para o Brasil os valores são naturalmente mais baixos, mas também impressionam. Segundo estimativas da Sobratema publicadas no Valor Setorial de junho de 2013, só em transportes e eletricidade os investimentos devem somar R$ 100 bilhões ao ano até 2017, mais do que investimos nos últimos anos em todos os setores de infraestrutura. Com a queda dos juros, muita gente está investindo nesses projetos.
 
No setor ferroviário, o Programa de Investimentos em Logística (PIL) projeta investimento de R$ 56 bilhões nos primeiros cinco anos da concessão de dez mil km de ferrovias. Há planos para outros quatro mil km de concessões ferroviárias, segundo o Valor Setorial. Somam-se a esses os investimentos que estão sendo realizados pelas atuais concessionárias e a Valec, além do Trem de Alta Velocidade.
 
Na OCDE, a necessidade de investimentos tão grandes em um setor tão peculiar, em termos de prazos e riscos, tem gerado grande preocupação com a criação de mecanismos de financiamento. Com as contas públicas comprometidas e as regras de Basileia 3 restringindo o crédito bancário ao setor, o foco recai em aumentar a participação dos investidores institucionais. Temas como risco regulatório, securitização de recebíveis, segregação de riscos e mecanismos de garantia estão no topo da agenda.
 
No Brasil, por outro lado, o esforço de promover investimentos tem se dado em paralelo a reformas regulatórias mais focadas em promover a modicidade tarifária. Esse é o caso do setor ferroviário, cujo modelo regulatório mudou bastante nos dois últimos anos.
 
A mudança mais recente é a desverticalização das atividades de gestão da infraestrutura (os trilhos) e de transporte ferroviário (locomotiva e vagões), que vai valer para as novas concessões. Passam a existir três tipos de agentes no setor: os provedores de infraestrutura, que investem e mantêm a via férrea; os operadores independentes de transporte, que vendem o serviço de transporte e pagam pelo uso da infraestrutura; e a Valec, que paga pelo direito de usar a infraestrutura e a vende aos operadores de transporte.
 
O objetivo é criar competição entre operadores de transporte, para ter tarifas mais baixas. O fato de a Valec assumir o risco de demanda, pagando pelo uso de toda a capacidade, mesmo que parte fique ociosa, é também uma forma de subsidiar a tarifa de transporte. O modelo tem, porém, riscos óbvios, da capacidade de pagamento da Valec, que dependerá do orçamento anual, até questões de governança entre os três tipos de agentes, que tendem a investir menos que o ideal em manutenção. Esse modelo foi tentado na Inglaterra e depois abandonado.
 
Como a desverticalização não é possível nas concessões já existentes, em 2011 três resoluções da ANTT promoveram a desagregação dos serviços de transporte e infraestrutura, alterando sensivelmente o modelo regulatório existente desde os anos 1990. O objetivo e a lógica da mudança são semelhantes às do PIL, mas sua implementação é mais complexa, devido a problemas de assimetria de informação, que são mitigados nas novas concessões pela presença da Valec. A medida, entre outras consequências, vai aumentar o custo de monitoramento e gestão do sistema, para concessionárias e ANTT.
 
Como a desagregação vertical deve ter um impacto limitado sobre as tarifas de transporte nas atuais concessões, o regulador atuou diretamente sobre elas com uma ampla revisão tarifária em 2012. Para isso se utilizou um novo modelo de cálculo dos custos por trecho ferroviário e tipo de carga, ao qual se adicionou uma remuneração pelo capital investido, a partir do cálculo da base de capital e da fixação de uma taxa de retorno. Nessa revisão, segundo estimativas do Ipea, houve um corte médio de 25% no teto tarifário.
 
Os contratos de concessão ferroviária preveem que os tetos tarifários podem ser revistos a qualquer momento, por iniciativa da concessionária, ou a cada cinco anos, quando é o poder público que requer a revisão. Nos dois casos, porém, a revisão deve ocorrer apenas para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro original do contrato. Nesse sentido, em 2012 não se mudou apenas o valor dos tetos tarifários, mas também a lógica com que esses são fixados.
 
O setor ferroviário não é um caso isolado de hiperatividade regulatória, que também vem afetando outros setores. Essas mudanças conflitam com a regra de ouro da infraestrutura: para atrair o investidor privado deve-se minimizar, e não ampliar, o risco político-regulatório. Com tantas oportunidades surgindo mundo afora, o perigo é que todos esses planos de investimento acabem ficando só nisso, planos.
 
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ.